terça-feira, 30 de dezembro de 2008

SABEDORIA SISTÊMICA


COMENTÁRIO
O formato 'ensaio' como forma de expressão literária, consolidado por Michel de Montaigne, e inaugurado por Plutarco, permite ao sujeito da redação uma confortável liberdade de abordagem, linguagem e formatação, que dificilmente se encontra em outras categorias de escrita. No Ensaio, o autor tem total liberdade de expressão, também podendo gozar de uma prosa mais livre, informal e coloquial. Nesta citação, Voltaire comenta em grande estilo a intercomunicação subjacente entre todas as coisas e acontecimentos que se insinuam à revelia de nós e de nossa precária compreenção.


CITAÇÃO

"Examinai a situação de todos os povos do mundo: é o que é por força de uma série de acontecimentos aparentemente insulados, porém realmente baraçados em íntimo emaranhamento. São tudo rodagens, polés, cabos, molas dessa máquina colossal." (pag59)

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Livro: DICIONÁRIO FILOSÓFICO // Autor: VOLTAIRE // Editora: ATENA, SÃO PAULO, 1959
Imagem: Encontrada em... http://www.whitman.edu/VSA/letters/index.html

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

MEDO DO DIFERENTE


COMENTÁRIO
Nesta citação, Mestre Voltaire mostra seu estilo crítico e cínico ao comentar as perseguições da Santíssima Inquisição.

CITAÇÃO
"Antigamente, quem quer que tivesse um segrêdo numa arte corria o risco de passar por bruxo. Toda seita nova era acusada de degolar crianças em seus mistérios. Todo filósofo que se desgarrasse da gíria da escola era criminado de ateísmo pelos fanáticos e espertalhões. E condenado pelos cretinos."
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Livro: DICIONÁRIO FILOSÓFICO // Autor: VOLTAIRE // Editora: ATENA, SÃO PAULO, 1959
Imagem: Encontrada em... http://www.geocities.com/cjr212criminologia/voltaire.htm

domingo, 28 de dezembro de 2008

HÁBITOS ANTROPOFÁGICOS


COMENTÁRIO
Monsieur Voltaire em sua experiência com uma indígena antropófaga norte-americana.
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CITAÇÃO
"Em 1725 trouxeram-se 4 selvagens do Mississipi à Fontainebleau. Tive a honra de falar-lhes. Havia entre eles uma dama do País, a quem perguntei se havia comido gente. Respondeu-me muito singelamente que sim. Fiquei um tanto escandalizado, e ela desculpou-se dizendo ser preferível comer o inimigo, depois de morto a deixá-lo servir de pasto às feras; que demais o vencedor merecias a preferência. Nós outros, em batalha campal ou não, por fas ou por nefas matamos nossos vizinhos e pela mais vil recompensa pomos em função o engenho da morte. Aqui é que está o horror. Aqui é que está o crime. Que importa que depois de morto se seja comido por um soldado, por um urubu ou por um cão?" (pag32)
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Livro: DICIONÁRIO FILOSÓFICO // Autor: VOLTAIRE // Editora: ATENA, SÃO PAULO, 1959

DO AMOR



CITAÇÕES
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"O amor é o estofo da Natureza bordado pela imaginação."

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"Todos os outros sentimentos de presto se amalgamam com o amor como metais em fusão com o ouro."
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COMENTÁRIO


Monsieur Voltaire, elegantíssimo nos formatos prolixos e completíssimo nas sentenças exíguas.


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Livro: DICIONÁRIO FILOSÓFICO // Autor: VOLTAIRE // Editora: ATENA, SÃO PAULO, 1959

Imagem: Encontrada em... http://texasswimming.blogspot.com

DA ALMA

COMENTÁRIO
Escrito belissimamente em forma de ensaio, inspirado talvez em Plutarco e Montaigne, VOLTAIRE disse o que quis e bem entendeu sobre todos os assuntos que desejava. Em seu clássico DICIONÁRIO FILOSÓFICO, logo em um dos primeiros escritos, questiona e critica com sabedoria a existência da alma humana. O que Monsieur VOLTAIRE não imaginava - e nem poderia, pois nasceu no final do século XVII, no ano de 1694, e veio a falecer aos 84 anos, na segunda metade do século XVII, em 1778 - é que o ser humano, no início do Terceiro Milênio, estaria prescrutando o comportamento dos átomos e moléculas com o advento das nanotecnologias.

CITAÇÕES
"Pode a tua razão só por só dar-te luzes suficientes para concluires, sem um recurso sobrenatural, que tens uma alma?
Os primeiros filósofos, quer caldéus, quer egípcios, disseram: forçoso é haver em nós algo que produza o pensamento; esse algo deve ser extremamente sutil: sopro, éter, substrato, um tênue simulacro, uma enteléquia, um número, uma harmonia. Finalmente, segundo divido Platão, é um composto do mesmo e do outro. São átomos que pensam em nós, disse Epicuro, depois de Demócrito. Mas, meu amigo, como pensa o átomo?
Confessa que nem o imaginas. Aceita-se seja a alma um ser imaterial. Mas vós não concebeis o que seja este ente imaterial." (pag14)
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"Cícero não tinha mais que dúvidas. Seus netos aprederam a verdade com os primeiros Galileus que arribaram a Roma. Mas antes disso, e até depois disso, em todo o resto da Terra onde não penetraram os apóstolos, cada um devia dizer à própria: Quem és tu? De onde vens? Que fazes? Para onde vais? Tu és não sei o que, que pensa e que sente. Mas ainda que pensasses e sentisses cem bilhões de anos, nada saberias por tuas próprias luzes, sem o auxílio de Deus. Homem! Deus outorgou-te o entendimento para bem procederes e não para penetrares a essência das cousas por Ele criadas." (pag21)

Livro: DICIONÁRIO FILOSÓFICO // Autor: VOLTAIRE // Editora: ATENA, SÃO PAULO, 1959

RITUAL ANTROPOFÁGICO


CONTEXTO
O ritual de comer o seu inimigo tinha a ver com glória e poder. Estes povos acreditavam que ao comer um inimigo poderoso e valente, por exemplo, tais virtudes se incorporariam a eles. Tais hábitos eram comuns entre as tribos que habitavam este belíssimo continente.

CITAÇÃO
"Sabe-se que a morte ritualizada e a deglutição eucarística dos cativos repersentavam o ponto culminante de uma cerimônia cujo sacramento maior, e objetivo quase único, era a vingança. (...) A vítima ideal era aquela que tivesse sido capturada no campo de batalha. Seu destino passava a pertencer então àquele que primeiro o houvesse tocado durante a luta. Triunfalmente conduzido à aldeia do inimigo, o prisioneiro era insultado e maltratado por mulheres e crianças. Assim que entrava na taba, tinha que gritar: "Eu, vossa comida, cheguei". Após essas agressões iniciais, porém, era bem tratado e recebia como companheira uma irmã ou filha de seu captor e podia andar livremente pelo território tribal - fugir era uma ignomínia impensável. O cativo passava a usar uma corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução - que podia ser dali a muitas luas (e até anos). Quando a data fatídica se aproximava, os guerreiros preparavam ritualmente a clava com a qual a vítima seria abatida. A seguir, começava o ritual, que se prolongava por quase uma semana e do qual participava toda a tribo, das mulheres aos guerreiros, dos mais velhos aos recém-nascidos.
Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era banhado e depilado. Depois, deixavam-no 'fugir', apenas para recapturá-lo em seguida. Mais tarde, o corpo da vítima era pintado de preto, untado de mel e recoberto por plumas e cascas de ovos. Ao pôr-do-sol, iniciava-se uma grande beberagem de cauim - um fermento, ou 'vinho', de mandioca. No dia seguinte, pela manhã, o carrasco avançava pelo pátio, dançando e revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não pertences tu à nação (tal ou qual), nossa inimiga? Não mataste e devoraste, tu mesmo, nossos parentes?" Altiva, a vítima respondia: "Sim, sou muito valente, matei e devorei muitos." Replicava então o executor: "Agora estás em nosso poder; logo serás morto por mim e devorado por todos." Para a vítima aquele era um momento glorioso, já que os índios brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. Os ossos do morto eram preservados: o crânio, fincado em uma estaca, ficava exposto em frente à casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias transformavam-se em flautas ou apitos." (pág. 237)

LIVRO: A COROA, A CRUZ E A ESPADA - Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia // AUTOR: Eduardo Bueno // EDITORA: Objetiva, Rio de Janeiro (2006)

A DESPROPORÇÃO DE FORÇAS


COMENTÁRIO
Com uma política imperialista, escravagista e dominadora, a presença portuguesa na Costa Atlântica da América do Sul sempre foi marcada pela violência e pela barbárie. E foi justamente com a implantação dos engenhos de açúcar e a expansão dos canaviais - que incluía a tomada de terras ancestralmente pertencentes às tribos, como também a escravização dos seus membros - que a guerra finalmente eclodiu.

CITAÇÃO
(pág. 237) "A desproporção de forças entre as armas de fogo e de metal dos europeus e os tacapes e flechas dos Tupinambá era tão gritante que, embora vários portugueses tenham sido feridos, nenhum um único morreu, ao passo que, entre os nativos, as baixas ultrapassaram 700 homens."

LIVRO: A COROA, A CRUZ E A ESPADA - Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia // AUTOR: Eduardo Bueno // EDITORA: Objetiva, Rio de Janeiro (2006)

sábado, 27 de dezembro de 2008

O CAMINHO DAS MINAS GERAIS

RELATO DE VIAGEM DE AZPICUELTA NAVARRO EM 1555

COMENTÁRIO

Independentemente do que se seguiu, e dos 500 anos seguintes de dominação e barbárie, incontestavemente o tempo das grandes navegações e descobrimentos ultramarinos foi uma época incrível de aventuras e desbravamentos épicos indescritíveis.

Eduardo Bueno, em seu quarto livro da belíssima coleção Terra Brasilis, intitulado A COROA, A CRUZ E A ESPADA, traz-nos pérolas de nossa história e origem como povo e país, como este empolgante relato de Azpicuelta Navarro, redigido em Porto Seguro em 1555 e enviado para os padres irmãos da Companhia de Jesus, em Coimbra, Portugal.

A Vila de Piratininga é renomeada e passa a se chamar São Paulo, singelo povoado que ignorava seu destino de ser a maior cidade da América Latina. Sua posição geográfica privilegiada torna-a ponto obrigatório de passagem para as trilhas indígenas pré-existentes, como também ponto de partida para a busca do tão sonhado Monte Dourado e suas riquezas. Rumores da existência de metais preciosos que vinham das bandas do sertão trazidos por escravos recém chegados provocou, à época, o reacendimento da antiga chama da cobiça por ouro e prata. Azpicuelta Navarro padre catequisador comenta em seu relato a viagem que fez para o interior das novas terras em direção a tal sonho, que mais tarde viria a se confirmar. Tratava-se das Minas Gerais.

CITAÇÃO

(pág. 195) "Dar-se conta do caminho em particular seria nunca acabar; mas como sei que com isso lhes dará consolação, direi alguma coisa do que passamos e vimos. Saberão, irmãos caríssimos, que entramos pela terra a dentro bem 350 léguas (cerca de 2 mil quilômetros), sempre por caminho pouco descobertos, por serras mui fragosas que não têm conta, e tantos rios que em certas partes no espaço de 4 ou 5 léguas passamos 50 vezes contadas por água, e muitas vezes se não me socorressem me houvera afogado. Mas de 3 meses fomos por terras mui úmidas e frias por causa dos muitos arvoredos e das árvores grossas e altas, de folha que está sempre verde. Chovia muitas vezes, e muitas noites dormíamos molhados, especialmente em lugares despovoados, e assim todos, em cuja companhia eu ia, estiveram quase à morte de enfermidades, uns nas aldeias, outros em despovoados, e sem outra que sangrar-se de pé, forçando a necessidade a caminhar, e sem ter outro mantimento às mais das vezes que farinha e água não perigou nenhum porque nos socorreu Nosso Senhor com a sua misericórdia, livrando-nos também de muitos perigos de índios contrários que algumas vezes determinaram de matar-nos. Passamos muitas zonas despovoadas, especialmente uma de 23 jornadas, por entre índios que chamam tapuias e que é uma geração de gente bestial e feroz, porque andam pelos bosques, como manadas de veados, nus, com cabelos compridos como mulheres; e sua fala é muito bárbara e eles mui carniceiros: trazem flechas ervadas (envenenadas) e dão cabo de um homem em um instante."

LIVRO: A COROA, A CRUZ E A ESPADA - Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia // AUTOR: Eduardo Bueno // EDITORA: Objetiva, Rio de Janeiro (2006)

* Imagens: Encontradas em... http://www.expomar-rio.com.br/2ApresentacaodeFestival13.html // http://br.geocities.com/segredosdemacaco/etno.htm // http://www.rnsites.com.br/arlindo007.htm // http://www.portalitabirito.com.br/turismo/historia.htm // http://raphaelcloux.blogspot.com/2008_05_11_archive.html